sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Música

Eu tinha 9 anos de idade. Em minha terra, lá no interior do Brasil, houve um show de música. Um show com a maior cantora do Brasil à época: Elis Regina. Fui ao show com meu pai.
Chegamos, o palco estava arrumado. Um piano à minha esquerda, uma guitarra à esquerda do piano, uma bateria no centro do palco, um baixo à esquerda da bateria. Tudo pronto.
Do lado direito do piano, no canto do palco, uma cadeira. Vazia. Sem nada em cima. Uma cadeira posta ali, jogada. Perguntei a meu pai o que fazia ali uma cadeira. Ficamos os dois na dúvida.
Começa o show.
Elis Regina canta como nunca. Como ninguém. A afinação precisa é embalada pela incrível capacidade de improvisação, pelo “balanço” intraduzível, pela emissão de cada palavra da música pronunciada com a mais pura Verdade possível. Cada palavra que saía da boca daquela cantora de 1,53 metros de altura soava como palavras ditas em voz alta por um gigante.
Elis Regina cantou, pulou, dançou.
A certa altura, dirigiu-se para o lado direito do palco e sentou-se na cadeira ali abandonada. Sentou-se ali e cantou Corcovado, de Tom Jobim.
Após as primeiras notas cantadas ali, daquela cadeira, finalmente eu descobri o porquê da existência das cadeiras na Terra. Elas tinham nascido para aquele momento. O momento em que, sobre elas, Elis Regina cantaria a Vida.

Caro Ilan
Seguem os 3 Projetos sobre os quais falamos. Perdoe a demora. A escolha correta da peça (Projeto 1), a escolha correta do grupo (Projeto 2) e a escolha correta dos grupos (Projeto 3) tardaram um bocado este envio. De todo modo, “antes tarde do que mais tarde”, não é? Aí vão:

Projeto 1 – Da Desconstrução de uma partitura

No intento de mostrar ampla e detalhadamente a importância vital do conceito teórico – e, mais, do aprofundamento no domínio do conceito teórico – no processo de aprendizado; no processo pedagógico; e, sobretudo, no processo de trabalho; venho propor o que chamo de “desconstrução de uma partitura”.
Exposto à execução de uma música, imediatamente o ouvinte se remete a algo etéreo, onírico, provindo de uma inspiração repentina que tem lugar no éter poético por onde os grandes gênios transitam com a facilidade de quem entra e sai por uma porta constantemente aberta. Ledo engano.
A música só leva o ouvinte a tais plagas após um processo metódico e escorreito de construção. Escrevem-se notas sobre uma pauta em branco. Tais notas revelam um intrincado processo composicional que parte da Forma e chega ao ouvido como Conteúdo.
Conhecer tal processo composicional leva o ouvinte a entender o compositor como aquele-que-trabalha, não mais como aquele-que-transita-pelo-Éter.
Munido de tal conceito, o ouvinte poderá situar-se na posição analítica da composição. Poderá compreender alguns passos que o compositor trilhou (e deixou grafados) na construção de sua partitura.
No entanto, para que o ouvinte compreenda o processo de construção de uma partitura, é necessário que um especialista des-construa a partitura à vista do ouvinte. É necessário que o especialista des-monte passo-a-passo a partitura para que o ouvinte perceba como o compositor montou a estrutura que o encanta, enternece, comove.
Para tanto, traremos à tona uma peça fartamente executada, amplamente conhecida: a 5a. Sinfonia, de L. V. Beethoven. Mais precisamente, o Primeiro Movimento da 5a. Sinfonia, de L. V. Beethoven.
Partindo do conceito da Forma, arraigado ao período neo-clássico, antecedente a Beethoven, estabelecido na segunda metade do século XVIII, e levado à categoria de “Estrutura Perfeita” por W. A. Mozart, estabeleceremos um Conceito-Primal do trabalho: compreender cada passo da construção de uma obra musical pela premissa teórica da qual se valeu o seu compositor.
Passaremos a destrinchar cada trecho do primeiro movimento da Sinfonia (após estabelecer o Conceito de Sinfonia) mediante as divisões impostas pela Forma Sonata.
Em seguida, esmiuçaremos cada subdivisão de cada um dos trechos, até chegarmos à mínima célula melódica (as famosas 4 notas do “tchan-tchan-tchan-tchan”), a pedra-fundamental que gerou toda a construção arquitetada pelo genial compositor austríaco.
Compreenderemos, finalmente, o cerne do processo composicional de Beethoven. Perceberemos, a partir da dês-construção, cada passo que o compositor seguiu para realizar a construção de sua obra. Estabeleceremos a vital necessidade de se compreender – e, sobretudo, dominar – o conceito Teórico para atingirmos a eficácia Prática.

Projeto 2 – Do Quarteto de Jazz e o Conceito de Improvisação

Há pouco tempo estabelecia-se incondicionalmente a relação de semelhança da estrutura interna de uma Empresa com a estrutura íntima de uma orquestra: os setores divididos por suas características, suas funções, sua hierarquia, todos regidos por um maestro e obedecendo aos signos de uma partitura.
Desde algum tempo, tal conceito sofreu uma transformação e a relação de semelhança passou a ser estabelecida com um Grupo de Jazz: os indivíduos, setorizados também, hierarquizados também, porém com a capacidade - e a liberdade – de improvisação em determinados momentos.
Traduzir tal conceito em palavras não requer mais do que 2 parágrafos. Contudo, não passa de um conceito traduzido, não-vivenciado.
Visualizar tal conceito requer um tanto mais. No entanto, ao visualizar o conceito, vivencia-se o conceito. Absorve-se o conceito de um modo tal a que ele torne-se indelével. Irremovível.
Reuniríamos um Quarteto de Jazz. Estabeleceríamos uma música a ser executada. Estabeleceríamos a “tradução” de cada passo da execução da música pelo Quarteto: a exposição de um tema conhecido; a explanação sobre a construção do tema; a definição de improviso de cada um dos 4 instrumentistas; o detalhamento do modo como é feito um improviso (sempre a ser construído sobre uma harmonia pré-determinada); a volta do tema para o encerramento da execução.
Em seguida, repetiríamos o processo, porém providos de outra peça musical, agora deixando ao espectador a tarefa de identificar (apenas vez por outra alertado) cada uma das facetas expostas anteriormente.
Finalmente, sem o auxílio do “tradutor”, o ouvinte teria meios suficientes para identificar cada um dos momentos da execução da terceira peça.
Seguir-se-ia a esta, mais algumas peças num pequeno “concerto de Jazz”, que encerraria a apresentação.

Projeto 3 – Da Programação Fixa do Auditório Kotler

A ocupação de um espaço cultural é, de longe, a obrigação maior do artista. Ainda mais quando o artista vem ligado a uma instituição de ensino.
Justamente embasada nessas assertivas, surge imperativamente a proposta de ocupação do Auditório Kotler, às noites de sábado no próximo semestre, o primeiro do ano de 2008.
Primeiramente, aproveitando o influxo gerado pela apresentação do Projeto 2, supra descrito, realizando uma série de apresentações de grupos de música com seus repertórios fincados no Jazz e na música instrumental brasileira.
Naturalmente, será preciso – nesse primeiro instante do Projeto – que os grupos a se apresentarem não sejam remunerados. Tal fato inviabilizaria por completo a intentona.
Contudo, após o primeiro semestre de atividades culturais no Auditório, teríamos já criado um princípio de “culturalização” do espectador. Teríamos “criado a cultura” de ir-se ao Auditório às noites de sábado para se ouvir boa música.
Munido desse hábito, desse público fixo, constante, freqüente, procuraríamos estabelecer parcerias que viabilizassem um vôo mais alto do Projeto: estabelecer um “programa de estudos” para as apresentações. Por exemplo, a cada semestre o Auditório receberia artistas que interpretariam todo o repertório da música brasileira da primeira década do século. No semestre seguinte, o Projeto se debruçaria acerca do repertório dos anos Vintes e, assim, sucessivamente.
Vale ressaltar que, os grupos que participariam do primeiro semestre (não remunerado) seriam, necessariamente, convidados a voltarem ao palco do Auditório na segunda – e próspera – fase do Projeto.

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