Teatro

Abre a cena. O ator, plantado no centro do palco, tem os pés gelados. É inverno, ele está descalço. A introdução da música soa na platéia. Ele está de cabeça baixa, camiseta, bermuda. Os pés congelados podem significar o ressecamento da prega vocal, a eminente rouquidão. Já soa o terceiro compasso da introdução – toda ela é composta de apenas 4 compassos. O ator teme a agrura do tempo. Soa o quarto compasso. Ele canta. A voz soa normalmente, ele sua no palco em pleno inverno.
Dia seguinte, o ator chega antes do horário em que sempre chegava. Traz consigo um roupão felpudo. Veste o roupão sobre o figurino arejado. Está de chinelo. Não tem o chão frio a contatar seu pé. O diretos passa por ele. Pergunta se tudo está bem. Ele responde que sim.
À hora de véspera, instantes antes de a cortina se abrir, o ator já se encontra postado em seu lugar. Sobre os chinelos. Tira o roupão felpudo, entrega-o ao diretor. Este, temeroso, pergunta ao ator sobre o chinelo. Diz que, se ele quisesse, poderia fazer a primeira cena calçando as sandálias. O frio era intenso, não havia nada de mal em abrir-se uma exceção. O ator, completamente concentrado, absorto, tira o par de sandálias e diz ao diretor:
– Eu quero sentir esse palco.
O frio perdeu do Profissionalismo, da Entrega ao Trabalho, da Dedicação.
O ator não mais suou, sua voz soou linda como sempre.