quinta-feira, 31 de julho de 2008

Literatura

Caro amigo de Blog
Hoje aproveitarei este espaço dedicado à Literatura para comemorar junto com vocês uma conquista muito significativa: um artigo escrito por mim foi eleito “O Melhor Artigo Escrito ao Longo dos 100 Anos do Jornal Comércio do Jahu”. Meu pobre e velho peito está em festa.
Justamente por isso, aqui vai transcrito o artigo vencedor.
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Todo domingo a Fome perdia da Paixão

Era uma vez um garoto que morava em Jaú. Um garoto pobre. Um caboclinho. Filho de um branco descendente de portugueses com uma mulata.
Com 12 anos de idade, esse garoto precisava trabalhar. Precisava complementar o orçamento da família. Precisava ajudar. “Dar dinheiro em casa”.
O ano era 1950. Ele trabalhava numa alfaiataria. Hoje em dia, um garoto de 12 anos de idade sequer imagina o que seja uma alfaiataria.
A Alfaiataria De Callis, o local de trabalho do nosso garoto, ficava na esquina da rua Campos Salles com a rua Major Prado. Na exata diagonal do Jardim-de-Baixo.
Nosso garoto cortava fazendas, cosia barras, fazia remates, bainhas, remendos. Trabalhava com afinco. Era um moleque caprichoso.
Nosso garoto tinha fome. Uma fome infinda. A “fome secular” do pobre.
Defronte a alfaiataria, na rua Major Prado, um bar. Um estabelecimento semelhante ao que hoje conhecemos como Lanchonete. O local onde se fazia a melhor empadinha da cidade chamava-se Jaú Chic. A empadinha era deliciosa e cara. Cara para um garoto pobre que cosia tecidos de olho na fome.
O “seu De Callis”, patrão do nosso garoto, pelas 11h da manhã atravessava a rua e ia tomar um aperitivo. Um prelúdio para o almoço. Tomava o aperitivo, dava as costas ao Jaú Chic, atravessava a rua e adentrava sua alfaiataria trazendo consigo uma empada para o nosso garoto. Os olhos do garoto, fundos e arregalados de gratidão, alternavam-se a mirar os olhos do patrão, onde morava a Bondade, e as mãos do patrão, onde repousava a deliciosa empada – o paliativo da Fome.
Nosso garoto tinha uma paixão. A bola.
Em seu horário de almoço, subia 20, 25 metros pela rua Major Prado, entrava por um corredor, e ia jogar bola com um grupo de amigos. Pelada entre amigos. Jogo bom. Pé descalço. Bola de capotão. Quando o patrão se ausentava, jogava “gol-em-gol” com um amigo que trabalhava na farmácia em frente à alfaiataria, na esquina da rua Campos Salles. Chuta daqui. Chuta de lá. A bola passando por sobre os carros. Pé calçado (o patrão podia chegar a qualquer momento). Bola de pano.
O patrão do nosso garoto tinha uma freguesa pelos altos da rua Quintino Bocaiúva. Quando o serviço estava feito, era preciso levar a roupa pronta para a freguesa. A subida da rua íngreme não assustava o nosso garoto. Ao contrário. Animava. Lá em cima, antes da casa da freguesa, tinha um campinho. As calças costuradas serviam de trave. Nenhum entrave para a bola rolar. Jogo quente. Jogo duro. Jogo bom.
Porém, jogo bom, mesmo, era no estádio. Era no Arthur Simões. Lá jogava o XV. Lá é que era bom de ver. Só que, lá, tinha de pagar ingresso. Pagar ingresso? Não havia dinheiro. O salário todo era dado na mão da mãe. Só tinha um jeito: pular o cercado do estádio.
Era difícil. Lá dentro tinha os seguranças. Armados. Com vara, é verdade, mas armados. E, olha, que uma varada doía pra burro! Dor física e dor moral.
Nosso garoto decidiu aumentar sua renda. No sábado engraxava sapatos num bar perto de sua casa. Fez sua caixa, arrumou graxa, pegou retalhos de pano da alfaiataria. Cobrava 2 réis por par de sapatos engraxados. O ingresso custava cinco. Tirante os maus-pagadores, com uns 3, 4 pares de sapatos engraxados, dava para ver o jogo no dia seguinte. Lá ela ia. Ia ver o jogo. Gastava todo o seu ganho-extra para ver um jogo de futebol. Para ver o jogo da bola. Não comia, não comprava empadas. Esse dinheiro ele não dava para a mãe. Esse era o dinheiro de ir ver o jogo.
Todo domingo a Fome perdia da Paixão.
A paixão por um jogo-menino. Um jogo que tinha pouco mais de 50 anos de vida no Brasil.
Essa mesma paixão fez com que uns pares de magnatas que não cortavam fazendas – eram donos de Fazendas – se juntassem para prover o XV de Jaú de dinheiro. Dinheiro para comprar jogador, para comprar adversários, para comprar juízes, bandeirinhas, resultados. Para comprar o que fosse preciso. Para comprar o Acesso.
Em 1951, o XV de Jaú subiu para a Primeira Divisão.
É isso aí. Foi assim. Eu sei que foi assim.

Um comentário:

Maíta disse...

Parabéns pelo artigo e parabéns pela vitória!