terça-feira, 9 de outubro de 2007

Teatro

Coxia. Um ator e uma atriz esperam para entrar em cena. Ela interpreta uma personagem sonsa, vã, alheia à realidade. Uma tonta. Tem um andar capenga e uma voz irritante. Ele interpreta um general valentão, senhor-de-si, que dá ordens todo o tempo.
Os dois atores, na coxia, olham para a cena que se passa no palco. Esperam suas “deixas” para entrarem em cena. Ela entrará primeiro. Em seguida, ele. Estão em silêncio. As falas de véspera aumentam a concentração.
Subitamente, o ator olha para a atriz. Ela está capenga.
O ator estranha a postura da colega e sussurra a pergunta:
– Tudo bem com você?
O ouvido do ator recebe o sussurro de uma voz absolutamente irritante:
– Tudo bem, e você?
Ouve-se a “deixa”. Ela brota em cena como a perfeita personagem. Ele aprende uma lição eterna sobre o Teatro: a personagem surge para o ator antes de a peça começar e o abandona depois de a peça terminar. Durante todo o período entre o seu surgimento e sua desaparição, a personagem permanece viva, preparada, presente.
Ele entra em cena. Canastrão. Contracena com ela. A diferença é flagrante. A platéia toda assiste a uma grande atuação dela, entremeada com a existência dele.
Fim da peça. Amanhã volta a cena e segue a vida.

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